sábado, 7 de julho de 2007

Texto: "O Método"

A sala era idêntica àquelas usadas para interrogatórios policiais: pequena e sem janelas; no centro, uma pequena mesa e no alto uma luminária pendurada no teto, cuja luz descrevia um círculo em volta da mesa; numa das paredes laterais, um daqueles grandes espelhos que refletem de um lado e permitem que se veja do outro.

Dentro da sala, em frente à mesa, apenas um rapaz, sentado numa das cadeiras. Do outro lado do espelho, em outra sala, três homens apenas observavam.

– O que quer que a gente faça com o garoto, Chefe? – perguntou Peçanha, olhando para O Garra. Peçanha era alto e corpulento. Tinha sobrancelhas grossas, uma calvície pronunciada e barba por fazer. Sua voz era grave e rouca.

O Garra, como sempre, não respondeu de imediato. Levou o cigarro aos lábios e tragou profundamente. Com os olhos ainda fixados no jovem, soltou lentamente a fumaça. Fez mais uma pausa e disse praticamente sem alterar a voz:

– Faça-o falar.

Peçanha sabia bem o que ele queria dizer com isso. Já havia utilizado o método várias vezes para atingir seus objetivos. Esse era, aliás, um dos motivos pelos quais admirava tanto o chefe: O Garra havia criado o método! Mas Peçanha, com o tempo, não só aprendeu todos os segredos como também introduziu algumas melhorias. E agora teria a chance de fazer uma demonstração prática diante do seu mestre.

Atento ao rápido diálogo, Sombra acompanhava cada palavra e cada gesto dos homens à sua frente. Diferentemente dos outros dois – o corpulento Peçanha e o atlético Garra – Sombra era baixinho e arredondado. Alguns diziam que seu corpo se assemelhava a um quibe: fino nas pontas, arredondado no centro. Tinha pele clara e bochechas rosadas. Apesar de estar sempre muito bem vestido, tinha aparência cansada e ensebada, pois suava muito. Para Sombra, estar participando desse processo era uma grande oportunidade, e ele não perderia nenhuma chance para impressionar tanto o seu chefe Peçanha quanto O Garra.

* * *

O jovem se assustou quando a porta da sala abriu e por ela entraram dois homens. Um grandalhão, com jeito de ogro, e um baixinho e gorducho.

Os homens se aproximaram lentamente, com expressão séria e cara de poucos amigos. Cada um sentou numa cadeira, de frente para o jovem. O gordinho, apesar de tentar passar uma aparência de seriedade, não conseguia tirar um riso meio irônico da cara.

Peçanha puxou conversa com sua voz de trovão:

– Então, garoto. Quando é que você vai entregar o projeto?

O rapaz tentou iniciar uma explicação:

– Olha só. Vocês precisam entender que há muitas variáveis em jogo. Estamos usando o RUP e de acordo com essa metodologia...

– Você não tá entendendo. – Peçanha interrompeu. – Tua cabeça tá a prêmio, rapaz. Pra você ter uma idéia, O Garra em pessoa tá acompanhando esse projeto. E ele quer uma data. Quer saber quando você vai entregar a parada.

– Mas ele precisa entender que não depende só de mim. Além disso...

– Porra, moleque! – gritou Peçanha, ao mesmo tempo em que dava um tapa na mesa e curvava o corpo na direção do rapaz. – Será que ainda não caiu a ficha? Não dá pra enrolar mais! Queremos a data da entrega. Agora!

– É, moleque, agora! – completou Sombra, com aquele risinho irônico.

Novamente o rapaz tentou explicar:

– Não tenho como dar um prazo agora. Ainda não terminamos o levantamento. Outra coisa: precisamos validar os...

– Bom, eu avisei. – interrompeu novamente Peçanha. Em seguida olhou para o lado. – Sombra, traz aquela nossa caixa. Vamos ver se essa data sai ou não sai. – voltou os olhos novamente para o jovem. – Tá fodido, moleque!

– É. Se fodeu, moleque! – emendou o baixinho.

Sombra se levantou e saiu da sala. Um minuto depois voltou com uma caixa de madeira nas mãos e a colocou no chão, ao lado da mesa. Olhou para Peçanha e disse com aquele risinho indefectível na cara:

– Vai querer começar com o quê, Chefe?

– Pega aí aquele fio desencapado.

– Vocês estão de sacanagem! – gritou o rapaz, percebendo pela primeira vez a verdadeira intenção daqueles homens.

– Sacanagem? Você ainda não viu nada... – respondeu Peçanha, enquanto recebia os fios das mãos de Sombra.

Junto com os fios Sombra entregou também uma pequena caixa, onde os cabos foram conectados. Na parte frontal da caixa, um botão, e em volta dele vários números em seqüência.

Peçanha olhou para Sombra:

– Amarra os fios no saco dele.

O jovem tentou reagir.

– Nem fodendo! Vocês estão... – não conseguiu completar a frase, pois levou um forte tapa na orelha, dado por Peçanha.

– E aí? Vou perguntar pela última vez. Quando é que você vai entregar esse maldito projeto? – ameaçou Peçanha.

O jovem começou a chorar:

– Já falei. Não tenho como dar um prazo. Ainda preciso... AAAAAAHHHHHH – soltou um grito de dor ao sentir a eletricidade correr com intensidade pelo seu corpo.

Mais uma vez: – AAAAAAAAHHHHHHHH.

E outra: – AAAAAAHHHHHHHH

Peçanha desligou o aparelho e olhou para Sombra. Percebeu que o baixinho olhava fixamente para o rapaz, com expressão de prazer. Voltou os olhos novamente para o jovem.

– Garoto, acho que você já percebeu que não estamos brincando. To falando, passa logo uma data que a gente te libera.

– Já falei, não tenho como dar um prazo agora – respondeu o rapaz, soluçando.

– Bom, foi você quem escolheu. Sombra, pega aí o alicate.

– Calma! – gritou o jovem. – Eu falo a data!

– Quando? – replicou Peçanha.

– Daqui a um mês. É o melhor que posso fazer!

– Tá doido, moleque? Tá achando que sou otário? Dá o alicate, Sombra!

– É... tá doido? – repetiu Sombra.

– Então na semana que vem – implorou novamente o rapaz.

– Tsc, tsc, tsc. – Peçanha balançou a cabeça. – Você não tá entendendo. Vamos ver o que o alicate consegue tirar de você.

Quando Peçanha começou a arrancar a primeira unha, o jovem soltou um grito desesperado:

– AMANHÃ! Eu juro! Amanhã! Pelo amor de Deus! Amanhã eu entrego o projeto.

– Ok. Acho que você tá começando a entender.

Ao terminar a frase, Peçanha olhou para o espelho e conseguiu ver a silhueta do Garra atrás dos reflexos. O mestre fez um sinal afirmativo com a cabeça. Sombra também percebeu, e soltou um risinho de êxtase.

Peçanha voltou-se para o rapaz e disse num tom de voz conciliador:

– Seguinte, a gente aceita o teu prazo. Pode ir.

O jovem tentou se recompor e levantou lentamente. Sentiu que o corpo todo doía. Foi caminhando devagar em direção à porta, mas antes de sair, ainda ouviu o último aviso de Peçanha:

– E se a aplicação tiver algum bug, você tá fodido!

– É, tá fodido! – completou Sombra.

O jovem nem quis olhar para trás.

5 comentários:

Unknown disse...

Grande Ruy... sua forma de escrever é impressionantemente clara e cativante. Você consegue realmente entreter, ou seja, quando lí este seu texto, eu me senti "vivendo" o momento e não dava para parar de ler, até tentaram me interromper, mas tive que ir até o final. E ainda quando terminei, garanto que tinha um gostinho de quero mais.... Já sou seu fã.

Abração e Deus o abençoe!!!

derliartesanato disse...

Que criatividade!!!!!!!!!! Gostei muitíssimooooo. Vc tem o dom de seu pai, isso me emociona muito. Parabéns...te amo muito.

Unknown disse...

Bela narrativa...conseguiu prender a minha atenção, além de ser criativo e bem escrito!

Lula disse...

Acabei de passar para nossos Diretores.... agora vamso implantar no prazo!!! Graaande Metodo.

SSandes disse...

Ja te falei, escreva um livro, não guarde este talento só para VC. Quando lançar o livro, por favor, me chame... Tenho certeza absoluta que sera um sucesso em vendas.


Que Deus lhe abençoe e continue lhe dando sabedoria

 
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